Teoria Musical
Ele bem se esforçava. Primeiro comprou uma
pandeireta, depois duas maracas e mais tarde um berimbau. Havia de aprender
música nem que para isso, toda a biblioteca da FNAC, da Bertrand ou da Leya ficassem
esgotadas dos manuais do mestre Eurico Cebolo. Ao reparar que tinha alguma
queda para os ritmos não hesitou, depois de soprar no saxofone, tocar acordeão
e xilofone com bastante esmero, comprou uma viola e uma guitarra portuguesa.
Naquela manhã o meu colega Inácio Pedro estava
lívido. O ar alegre que punha quando entrava no escritório a assobiar uma polka
num dia, uma tarantela ou um tango no outro, uma zarzuela ou um samba ou bater
com o lápis no computador para acompanhar uma imaginária bossa nova, um
irreconhecível bolero ou a cantarolar uma ópera heroica, tinha desaparecido.
Pensávamos todos que horas e horas a dar folga ao sono, estudando colcheias e
semicolcheias, acordes maiores e
menores, tónicas e dominantes, escala uniformes e biformes, compassos de espera
ou de silêncio e até enarmonia nos acordes de sétima diminuta, lhe tinham dado
a volta à cabeça e o rapaz se tivesse passado. O Inácio Pedro não só estava
lívido mas também nervoso, apático e ausente.
Vim a saber, mais tarde, que o Inácio Pedro nunca
se entendeu com a guitarra portuguesa. De um conhecimento circunstancial com um
rufia que se dizia, e até parecia, exímio tocador de tão nobre instrumento até
metê-lo em casa para lições particulares não demorou um fósforo a arder. Quando
naquele dia, por força da paixão e amor à causa, se demorou um pouco mais para
trazer umas partituras que um tocador da velha guarda lhe haveria de arranjar,
apanhou em sua própria casa o vadio a tocar guitarra no corpo de Rosita, a sua
tão bela e dedicada esposa. Nunca mais para ele, um mulher seria como uma
guitarra.
©Vítor Fernandes
28/04/2014
Adorei este conto. A simplicidade nele descrita de quem sabe escrever. Eu viajei um pouco na música...
ResponderEliminaraté fiquei perplexo: finalmente mais "post", que demorou...
ResponderEliminarcoitado do Inácio, meteu a guitarra no saco.
abraço