terça-feira, 28 de abril de 2015

216. Teoria musical




Teoria Musical

Ele bem se esforçava. Primeiro comprou uma pandeireta, depois duas maracas e mais tarde um berimbau. Havia de aprender música nem que para isso, toda a biblioteca da FNAC, da Bertrand ou da Leya ficassem esgotadas dos manuais do mestre Eurico Cebolo. Ao reparar que tinha alguma queda para os ritmos não hesitou, depois de soprar no saxofone, tocar acordeão e xilofone com bastante esmero, comprou uma viola e uma guitarra portuguesa.

Naquela manhã o meu colega Inácio Pedro estava lívido. O ar alegre que punha quando entrava no escritório a assobiar uma polka num dia, uma tarantela ou um tango no outro, uma zarzuela ou um samba ou bater com o lápis no computador para acompanhar uma imaginária bossa nova, um irreconhecível bolero ou a cantarolar uma ópera heroica, tinha desaparecido. Pensávamos todos que horas e horas a dar folga ao sono, estudando colcheias e semicolcheias,  acordes maiores e menores, tónicas e dominantes, escala uniformes e biformes, compassos de espera ou de silêncio e até enarmonia nos acordes de sétima diminuta, lhe tinham dado a volta à cabeça e o rapaz se tivesse passado. O Inácio Pedro não só estava lívido mas também nervoso, apático e ausente.

Vim a saber, mais tarde, que o Inácio Pedro nunca se entendeu com a guitarra portuguesa. De um conhecimento circunstancial com um rufia que se dizia, e até parecia, exímio tocador de tão nobre instrumento até metê-lo em casa para lições particulares não demorou um fósforo a arder. Quando naquele dia, por força da paixão e amor à causa, se demorou um pouco mais para trazer umas partituras que um tocador da velha guarda lhe haveria de arranjar, apanhou em sua própria casa o vadio a tocar guitarra no corpo de Rosita, a sua tão bela e dedicada esposa. Nunca mais para ele, um mulher seria como uma guitarra.

©Vítor Fernandes

28/04/2014

2 comentários:

  1. Adorei este conto. A simplicidade nele descrita de quem sabe escrever. Eu viajei um pouco na música...

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  2. até fiquei perplexo: finalmente mais "post", que demorou...
    coitado do Inácio, meteu a guitarra no saco.

    abraço

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