domingo, 20 de janeiro de 2013

189. Está na hora de beber algo




Cheia de glamour e no entanto… D. Micá estava muito queixosa, coitada. Recostada sobre a chaise longue, exibia um vestido cor carmim, comprido, com uma generosa racha na perna esquerda e um não menos generoso decote. D. Micá tinha uns seios bonitos pelo que os decotes lhe davam um ar garboso. Os cabelos soltos, hoje cacheados, deixavam ver uns brincos compridos, pendentes de oiro branco, terminando num discreto rubi. Os lábios condiziam com o vestido, o vestido com os brincos e estes, por sua vez condiziam com a pulseira que fechando o círculo dava com os brincos. Como aliás não podia deixar de ser. No pescoço uma gargantilha, deixando-lhe o colo nu, realçado na sua pele alva e aveludada. D. Micá vestia sempre bem nos dias em que recebia e não fosse ela, parecia que o candeeiro, com pendencias de cristal, não teria o mesmo brilho. Mas estava muito queixosa hoje, D. Micá, tanto que, durante todo o serão, não dispensou os serviços de Preciosa a sua enfermeira particular. Volta e meia pedia desculpa e saía para os seus aposentos para que Preciosa lhe massajasse as pernas. Depois voltava, mas o sofrimento, por vezes não conseguia que os seus próprios olhos o não denunciasse.

Conjeturavam o Fagundes e o Justino Carlos sobre o mal-estar de D. Micá enquanto beberricavam, o Fagundes porque ainda teria de regressar essa noite a Santarém, um copo de leite magro com chocolate e o Justino Carlos um licor de avelã, que ele dizia gostar muito. Um, que D. Micá andava com uma inflamação no nervo ciático, que já tinha ouvido a D. Ermelinda falar de que a filha tinha problemas de coluna e outras coscuvilhices menos próprias de um professor do ensino secundário e o outro, que lhe tinha chegado aos ouvidos pela mulher, “nos dias em que não anda entretida com o ricalhaço”, terá pensado o Fagundes, coitado, que da Graziela nunca mais terá sabido o paradeiro, que D. Micá tinha um problema no menisco e que seria operada em breve, mas que fazia um certo tabu com a coisa.

Num outro canto da sala, a Marta Caracinha, hoje exageradamente vestida em estilo juvenil, com um vestido cor-de-rosa às bolinhas com um grande laçarote na cintura, os totós que parece não querer largar, meias até ao joelho e uns sapatos de ténis, da mesma cor do vestido, ninguém lhe dá os vinte dois anos já feitos, mais parece uma colegial de doze ou treze, preparada para ir a um show da Xana Toc-Toc no campo do Atlético, à Tapadinha, conversava com a Geninha, esta, como sempre, de copo de vodka na mão, preparada para o despejar de um shot, sobre uma pequena desavença que teve com o Pedro Rebocho, devido ao facto do namorado só gostar de vestir preto, o que não lhe ficava nada bem com o cabelo pintado de roxo e um novo penteado funk que ele tinha decidido fazer num novo cabeleireiro que abriuna Ericeira e que é propriedade de um amigo dele de infância. Consta que o amigo é gay e a Geninha desconfia que ela está mais preocupada com a aproximação do Pedro Rebocho ao Dinis do que com cor do cabelo, pois que para Geninha fica-lhe mesmo a matar. E deram por finda a conversa quando a Marta se virou para Geninha e disse:

- Por este andar hoje não vamos ter história.
- Parece que não; parece que a D. Micá está com umas horríveis dores nas pernas – assentiu a Geninha, depois de mais um shot de vodka.
- E ao que consta, ninguém sabe de onde lhe vêm aquelas dores – disse, com um ar algo pesaroso e intrigada, a Marta Caracinha.
- Desconfia-se que a coitada tem reumático. Vê lá tu, Marta, tão nova e já a sofrer tanto. Eu nem quero imaginar o que será de mim daqui a uma meia dúzia de anos – lastimava-se Geninha.
- Oh filha, não bebas tanto. Olha que a vodka não dá saúde a ninguém – desdenhou a Marta.
- Olha quem fala. Tu, que toda a gente sabe és uma viciada em leite magro com chocolate, qualquer dia estás cheia de colesterol – disse sem muita convicção, mas também com alguma falta de argumentos, a Geninha.
- Do quê? Do leite magro? Deves estar a passar-te – riu-se Marta e voltou-lhe as costas, até porque naquele momento, chegava, muito bem disposto, o meu amigo Eduardo Aragão.

Eduardo que sempre foi um bom atleta, mas que falaremos disso logo que for oportuno, cumprimentou um a um, por quem ia passando, deixava umas chalaças sobre o estado do tempo ou sobre os últimos resultados da bola e dirigindo-se a D. Micá, beijou-a na mão e perguntou-lhe:
- Então, gostou da caminhada? Amanhã vamos a outra. Olhe que dizem que faz muito bem para os diabetes. E para o coração – acrescentou e, virando-se para Eduardinha, cada dia mais provocante no seu traje de empregada de dentro, piscou-lhe o olho e perguntou: - O que é que vamos beber hoje?

4 comentários:

  1. Pobre D. Micá, ela que concerteza queria esconder a causa das suas dores das pernas e que provocou tanta especulação,entre os convidados, vem o desbocado do Eduardo e põe a nu, sem mais demoras as causas de tanta dor...
    Está visto que D. Micá não tem pedalada para acompanhar a boa forma do atleta em questão e quase decerteza não se mete noutra, afinal a missão dela é receber, não a estou a imaginar e dada a descrição que dela faz, a caminhar num qualquer passeio pedonal ;)

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    1. A caminhada deve ter sido violenta. Com o Eduardo nunca se sabe.

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