Cheia de glamour e
no entanto… D. Micá estava muito queixosa, coitada. Recostada sobre a chaise longue, exibia um vestido cor
carmim, comprido, com uma generosa racha na perna esquerda e um não menos
generoso decote. D. Micá tinha uns seios bonitos pelo que os decotes lhe davam
um ar garboso. Os cabelos soltos, hoje cacheados, deixavam ver uns brincos
compridos, pendentes de oiro branco, terminando num discreto rubi. Os lábios
condiziam com o vestido, o vestido com os brincos e estes, por sua vez
condiziam com a pulseira que fechando o círculo dava com os brincos. Como aliás
não podia deixar de ser. No pescoço uma gargantilha, deixando-lhe o colo nu,
realçado na sua pele alva e aveludada. D. Micá vestia sempre bem nos dias em que
recebia e não fosse ela, parecia que o candeeiro, com pendencias de cristal,
não teria o mesmo brilho. Mas estava muito queixosa hoje, D. Micá, tanto que,
durante todo o serão, não dispensou os serviços de Preciosa a sua enfermeira
particular. Volta e meia pedia desculpa e saía para os seus aposentos para que
Preciosa lhe massajasse as pernas. Depois voltava, mas o sofrimento, por vezes
não conseguia que os seus próprios olhos o não denunciasse.
Conjeturavam o Fagundes e o Justino Carlos sobre o mal-estar
de D. Micá enquanto beberricavam, o Fagundes porque ainda teria de regressar
essa noite a Santarém, um copo de leite magro com chocolate e o Justino Carlos
um licor de avelã, que ele dizia gostar muito. Um, que D. Micá andava com uma
inflamação no nervo ciático, que já tinha ouvido a D. Ermelinda falar de que a
filha tinha problemas de coluna e outras coscuvilhices menos próprias de um
professor do ensino secundário e o outro, que lhe tinha chegado aos ouvidos
pela mulher, “nos dias em que não anda entretida com o ricalhaço”, terá pensado
o Fagundes, coitado, que da Graziela nunca mais terá sabido o paradeiro, que D.
Micá tinha um problema no menisco e que seria operada em breve, mas que fazia
um certo tabu com a coisa.
Num outro canto da sala, a Marta Caracinha, hoje exageradamente
vestida em estilo juvenil, com um vestido cor-de-rosa às bolinhas com um grande
laçarote na cintura, os totós que parece não querer largar, meias até ao joelho
e uns sapatos de ténis, da mesma cor do vestido, ninguém lhe dá os vinte dois
anos já feitos, mais parece uma colegial de doze ou treze, preparada para ir a
um show da Xana Toc-Toc no campo do Atlético, à Tapadinha, conversava com a
Geninha, esta, como sempre, de copo de vodka na mão, preparada para o despejar
de um shot, sobre uma pequena desavença que teve com o Pedro Rebocho, devido ao
facto do namorado só gostar de vestir preto, o que não lhe ficava nada bem com
o cabelo pintado de roxo e um novo penteado funk
que ele tinha decidido fazer num novo cabeleireiro que abriuna Ericeira e que é
propriedade de um amigo dele de infância. Consta que o amigo é gay e a Geninha
desconfia que ela está mais preocupada com a aproximação do Pedro Rebocho ao
Dinis do que com cor do cabelo, pois que para Geninha fica-lhe mesmo a matar. E
deram por finda a conversa quando a Marta se virou para Geninha e disse:
- Por este andar hoje não vamos ter história.
- Parece que não; parece que a D. Micá está com umas
horríveis dores nas pernas – assentiu a Geninha, depois de mais um shot de
vodka.
- E ao que consta, ninguém sabe de onde lhe vêm aquelas
dores – disse, com um ar algo pesaroso e intrigada, a Marta Caracinha.
- Desconfia-se que a coitada tem reumático. Vê lá tu, Marta,
tão nova e já a sofrer tanto. Eu nem quero imaginar o que será de mim daqui a
uma meia dúzia de anos – lastimava-se Geninha.
- Oh filha, não bebas tanto. Olha que a vodka não dá saúde a
ninguém – desdenhou a Marta.
- Olha quem fala. Tu, que toda a gente sabe és uma viciada
em leite magro com chocolate, qualquer dia estás cheia de colesterol – disse
sem muita convicção, mas também com alguma falta de argumentos, a Geninha.
- Do quê? Do leite magro? Deves estar a passar-te – riu-se
Marta e voltou-lhe as costas, até porque naquele momento, chegava, muito bem
disposto, o meu amigo Eduardo Aragão.
Eduardo que sempre foi um bom atleta, mas que falaremos
disso logo que for oportuno, cumprimentou um a um, por quem ia passando,
deixava umas chalaças sobre o estado do tempo ou sobre os últimos resultados da
bola e dirigindo-se a D. Micá, beijou-a na mão e perguntou-lhe:
- Então, gostou da caminhada? Amanhã vamos a outra. Olhe que
dizem que faz muito bem para os diabetes. E para o coração – acrescentou e,
virando-se para Eduardinha, cada dia mais provocante no seu traje de empregada
de dentro, piscou-lhe o olho e perguntou: - O que é que vamos beber hoje?
Talvez relâmpagos
ResponderEliminarpara alumiar as urnas
Quando a D. Micá voltar à história de fantasmas...
EliminarPobre D. Micá, ela que concerteza queria esconder a causa das suas dores das pernas e que provocou tanta especulação,entre os convidados, vem o desbocado do Eduardo e põe a nu, sem mais demoras as causas de tanta dor...
ResponderEliminarEstá visto que D. Micá não tem pedalada para acompanhar a boa forma do atleta em questão e quase decerteza não se mete noutra, afinal a missão dela é receber, não a estou a imaginar e dada a descrição que dela faz, a caminhar num qualquer passeio pedonal ;)
A caminhada deve ter sido violenta. Com o Eduardo nunca se sabe.
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