“Antonieta
desaparecera tão misteriosamente da sala como misteriosa tinha sido a sua aparição
na mansão. D. Bonifácio d’Assunção, na verdade, nunca se impressionou com a sua
presença. Por isso, não se estranha que não se tenha impressionado com o seu
desaparecimento. Parece que quem não ficou assim tão indiferente foi Gatófio que
desatou a miar compulsivamente que até parecia uma gata no cio, embora, os
próprios testículos, os dele, o testemunhem como um gato macho como poucos e
não há telhado nas redondezas que não os conheça. E vice-versa.
D.
Bonifácio colocou os dois dedos, indicador e médio, ligeiramente fletidos, nos
lábios, dobrou a língua e assobiou. O silvo foi tão agudo que Penafiel se
assustou. Um gato a miar como miava Gatófio e um cão que ora ladra ora uiva,
como o faz Penafiel, transformaram o silêncio que se tinha feito cerca da
meia-noite e meia hora, quando a música brasileira, que tinha substituído o
canto gregoriano, também já se havia finado, num arraial da animália. Para
agravar a situação, lá fora, dois cavalos relinchavam e ao longe ouvia-se o
piar de uma coruja. Ao som do silvo emitido por D. Bonifácio de Assunção, que
do barulho dos animais não fora com certeza, atendeu Aristides que compareceu
prontamente mas não se pode dizer que a correr, pois Aristides já não tinha
idade para grandes velocidades, trazendo a bengala e o chapéu de D. Bonifácio.
Este, dispensando por enquanto o chapéu, pois não tinha intenção de se ausentar
de imediato da mansão, pegou na bengala e pediu a Aristides que o acompanhasse
à capela do edifício. À sua espera, estava já Frei Bento Patinho, um frade
dominicano falecido em 1478 e que tinha por costume passear-se altas noites,
sem nunca ter sido visto, pelos claustros do convento onde viveu no século XV,
em pleno reinado de D. Afonso V, o Africano e pela mansão de D. Bonifácio, mais
de quinhentos anos depois, sabe-se lá porquê. A verdade é que a sua presença
era muito querida a D. Bonifácio e nada dizia a Aristides que, por mais que ouvisse
o patrão falar com uma terceira pessoa, nunca tal criatura houvera visto e, por
isso, chegou a pensar que D. Bonifácio estaria xexé da cabeça”.
D. Micá fez uma pausa. As pessoas protestaram,
pois queriam saber o que se passou entretanto na capela da mansão. D. Micá
disse que precisava de ir fazer um chichi porque as pessoas da sociedade,
apesar do ar sempre descontraído, dos vestidos bonitos, dos chapéus de
cerimónia, dos varandins com mesas de ferro forjado e trabalhadas, pintadas de
branco, com toalhas de renda de Viana do Castelo ou da Madeira, com canapés
século XIX, das fotos de pose sentadas ao lado dos filhos e o marido por detrás
em pé, com amigos e amigas chamados Vavá e Vivi, Lili e Liluxa, Pepas e Pipas,
essas pessoas também fazem o seu chichi e, claro está, quando a necessidade
assim o obriga, também dão o seu, delas, punzinho.
É claro que a pausa se prolongou mais do que era
esperado, ou então não, pois todos sabem que quando alivia um português,
aliviam logo dois ou três, as conversas são como as cerejas, ficamos ali a
conversar de banalidades, até que Eduardo Aragão propôs que jogássemos uma
partida de poker. Que pena o Eduardo estar a ter esta recaída. Acho que vocês
vão gostar no dia em que eu aqui vos contar como Eduardo Aragão gastou uma fortuna,
uma não, duas, por causa do vício do jogo. Mas hoje a história já vai longa e
Eduardo provavelmente não gostará que eu mexa nos seus fantasmas, pois quem é
boa, boa mesmo, a contar histórias, cor-de-rosa ou não, é a nossa querida D.
Micá.
Sempre apetecível os textos que imagina
ResponderEliminaras personagens cheias de vida
a descrição dos pormenores
a intriga que desperta.
Aguar do que a senhora chegue
Bom...vamos então aguardar que D. Micá se alivie e esperar com a curiosidade de sempre o desenrolar de mais uma história que se antevê cor-de-rosa, já que quando mete jogo, há saias pelo meio e pelo que já li de Eduardo ele é menino para não deixar escapar nenhum rabo de saia.:)
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