segunda-feira, 22 de outubro de 2012

175. D. Micá e uma história com chifres



Talvez há mais de um ano que não via o artista. Justino Carlos é um grande amigo meu. O que eu não sabia era que o Justino também era amigo dela. Foi com surpresa que o encontrei lá numa das nossas famosas soirées literárias onde pontuam os contos da D. Micá. Mas há quem, à sua revelia, vá também contando histórias, em pequenos grupos que se formam no salão e muitas vezes contadas na primeira pessoa pelos próprios protagonistas. Foi o que aconteceu esta noite em que, depois de ouvir esta delícia, decidi pedir licença à D. Micá, ausentei-me uns quinze minutos, fui ao carro, tirei o iPad do porta-luvas e escrevi-a todinha para não me esquecer de nada.

O Justino Carlos era o centro das atenções. Normalmente o Justino era um tipo discreto no vestir. A sua roupa mais usual era jeans e polo de três botões de marcas suspeitas, o crocodilo nunca parecia o original e outros símbolos que são as griffes mais conhecidas no mercado da moda eram produto de contrafação. Mas arreava bem. Não era nenhum borrabotas. Mesmo com esta casualidade ao vestir, o Justino nunca andava de sapatos de ténis e os sapatos, podiam não ser de grande qualidade mas andavam sempre limpos e tinham quase sempre um aspeto novo. Quando se apresentava em lugares em que o dress code fosse mais rigoroso, vestias blasers e calças finas, camisas de risca ou até mesmo fato completo, algumas vezes de três peças e bonitas gravatas. Admirei-me pois de o ver no serão da D. Micá, vestindo como se fosse um yuppie bem sucedido, a virar classe média alta e só não digo como é que se apresentou para que o Gaspar não lhe vá mais aos bolsos. À sua volta ria-se à gargalhada e quando me viu não só me deu um abraço que me ia esmagando as costelas, mas também me passou um copo de champanhe, convidou-me a juntar-me ao grupo e quando eu inquiri o motivo de tão boa disposição respondeu-me «ainda tu não ouviste nada».

Pedi-lhe apenas um momento, que não começasse sem eu voltar e, paulatinamente dirigi-me a D. Micá, segredei-lhe o que se estava a passar e aguçando-lhe o apetite trouxe-a pelo meu braço até ao grupo de quatro homens e três senhoras, uma das quais não conheço mas vim a saber que se trata da nova namorada do meu amigo Eduardo Aragão, de quem vos falarei oportunamente e provoquei-o «Então conta lá Justino. Quais são as novas?», perguntei-lhe, presumindo que ele as tinha na ponta da língua e que “morria e estalava” para no-las contar. E foi assim que o Justino Carlos contou a sua história recente:

«A semana passada surpreendi a minha mulher em casa na cama com outro... Devagar fui à sala buscar uma pistola que costumo ter escondida numa gaveta, com a intenção de matar os dois… parei para pensar e fui percebendo como a minha vida de casado tinha melhorado nos últimos tempos. A minha mulher já me não pedia dinheiro para comprar carne ou peixe, fruta e legumes, aliás, nem para comprar lingerie, vestidos, joias e sapatos, apesar de todos os dias aparecer com um vestido novo, uma sandalinha da moda, lindas e rendadas cuecas, fio dental que ela nunca tinha usado antes e uma vez por outra, um bonito anel, uma pulseira, uma gargantilha. Os meus filhos mudaram da escola oficial para o externato mais fino lá da zona. Só para verem, ela trocou um opel astra que tínhamos comprado a prestações por um audi a3, sem sequer me avisar e sem termos de fazer contas, se o podia fazer ou não, pois há quatro anos que estou sem aumento e termos decidido dar um corte radical na mesada que lhe costumava dar, já que sem subsídio de férias nem subsídio de Natal e com o IRS a subir não tinha maneira de a manter. Quanto à despensa recheada e ao frigorífico e arca congeladora, nem se fala. Lá em casa nunca tivemos tanta fartura quanto ultimamente. E as contas da luz, água, gás, telefone, internet, telemóvel e cartão de crédito, faz tempo que ela não me pede um tostão e quando vou para as pagar, está sempre tudo pago. Vocês ainda se lembram de como é jeitosa a Filomena, não se lembram? Pois agora ela está um autêntico avião, frequenta ginásio, faz depilação laser, tem sessões de yoga, a gaja nunca esteve tão boa nem tão apresentável em toda a vida dela. 

Resolvi guardar de novo a arma. Saí, pé ante pé para não incomodar nenhum deles e, escada abaixo, vim a pensar sozinho: O tipo paga o empréstimo da casa ao banco, o supermercado, a escola das crianças, as contas da casa, o carro, o shopping, todas as despesas e eu ainda vou para cama com ela todas as noites, o que é que eu quero mais?».

É evidente que à perplexidade que se seguiu e que foi generalizada, boquiabertos que estávamos com a história, pensando, alguns de nós se aquilo era verdade ou mentira pois nos pareceu muito efabulada, sem saber o que dizer, se assentar ou se criticar, não podíamos deixar de, em uníssono, presentearmos o nosso Justino Carlos com uma sonora gralhada e até com uma grande salva de palmas. Não é que Justino rematou a faena com esta pérola?

«Pois meus amigos, é que eu cheguei à brilhante conclusão de que afinal de contas quem é o corno é ele e não eu».



3 comentários:

  1. Estou em atraso com as minhas leituras destas deliciosas histórias. Mas vou atualizar-me.

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  2. Ora aqui está uma atitude inteligente, há que ver o lado finaceiro da coisa em época de tamanha crise.

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  3. Ai, Constantino, Constantino.
    Essas soirées em casa da Micá andam de mal a pior!
    Que raio de despudor é esse do teu amigo Justino Carlos contar publicamente a forma de dar a volta á situação? Então o outro é...e ele não? Que ganda lata!!!
    Se os gajos do governo descobrem que é essa a saída para a crise, ainda aumentam mais os impostos...

    As coisas que te passam pela cabeça!

    Beijocas.:)

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