Ao Porto ninguém tratava de outra maneira a não ser por Porto. O Porto era do Porto e falava com um sotaque nortenho, talvez do Porto ou então dos arredores do Porto. Ainda no outro dia eu dizia que era de Almada e a pessoa respondeu-me, ah sim de Lisboa e eu fiquei-me. Se calhar o Porto não era mesmo do Porto, mas todos o tratavam por Porto. Mas não era apenas a sua origem que o caraterizava. O Porto era um tintoleiro. Onde houvesse uma pipa, um garrafão ou uma garrafa cheia, ou meia, do rubro líquido o Porto parava e encharcava-se. Nunca vi o Porto que não estivesse bêbado. O Porto raramente andava sozinho e raras as vezes sem a mulher. Quando ele não vinha com a mulher vinha na companhia da sua bebedeira e quando vinha com a mulher, eram quatro. Ele, a mulher e duas tremendas besanas. O Porto, morava no bairro de barracas que do meu bairro, tinha um matadouro a separá-lo. O Porto cambaleava, melhor que qualquer pessoa que eu já tivesse visto cambalear. E nem nos filmes de Sam Peckinpah, um cowboy cambalearia tão bem como o Porto, depois de uma seta envenenada do Cheyenne Touro Sentado ou do Sioux Asa de Falcão.
Se havia alguém que gostava e ainda gosta de pescar era o Baixinho. Mal as férias da Páscoa começavam e já estava o Baixinho a fazer a sua abertura de época (este parêntesis é para vos falar do desgosto que um febrão, alto lá com o charuto, o fez ficar na cama numa sexta-feira santa em que o pai, com linha de mão, anzol empatado a arame e poita feita de um pedregulho moldado, tirou do rio um safio de cinco quilos e meio, a quem lhe foi dada a honra de beber uma mini no caminho para casa. Ao pai não, ao safio!). Naquele dia, tinha almoçado havia pouco tempo, a maré estava baixa demais, daria tempo para que, com a sachola, escavar umas quantas poças no ostral, recolher uma boa mão cheia de minhocas e começar a pescar um pouco mais tarde. Quis o almoço e a sua digestão que esta colheita não corresse a preceito. Quando começou a ver tudo a andar à roda, largou o sacho, a lata das minhocas, a cana de pesca, o bornal do material, o balde da pescaria, saiu, com as poucas forças que ainda lhe restavam, à procura do trilho que o levaria a casa. Caiu num barranco, à beira da azinhaga, desfalecido. E começou a viajar.
Quando acordou no hospital de Almada, algumas horas depois, parecia que ainda via o Porto, com ele aos ombros mais de dois quilómetros ribanceira acima, a entregá-lo aos pais. Felizmente que a flecha atirada por Asa de Falcão, em vez de o fazer cambalear, dotou-o falcoamente de duas divinas asas. Obrigado, Porto (sussurrou o Baixinho).
Cambaleante e bêbado, mas mesmo assim não destituído de bom-senso e forças para ajudar o próximo! Gostei! :)
ResponderEliminarBeijocas!
Adorei a imagem!
ResponderEliminarTexto muito criativo
ResponderEliminarcomo sempre
e o Porto aqui tão perto
do nosso cais
O Porto, cheinho, carregando o Baixinho...
ResponderEliminarUm texto
com graça,
humanidade e jeito
(é sempre um prazer o ler)
Olá Vitor Constantino!!
ResponderEliminarCarago, eu não sou do Porto, mas já tenho, assim a modos, que uma costela tripeira.
Sabe que nunca apanhei uma borracheira? Também não sou lá grande tintoleira, mas aqui à atrasado ( à moda do Porto) bebi um tintol, aí em Almada, que me fez cantar o fado!!
(pudera, estava numa casa onde se cantava o dito).
Como ouvi dizer à minha amiga Lourdes, nessa noite: O fado é que induca e o vinho é que instrói!
Então o Porto que era do Porto, vivia em Lisboa
(Almada) gostava da pinga e com a pomada que por aí há, não havia de andar sempre enfrascado?
Uma coisa é certa amigo Constantino, não existe coração mais nobre e leal, capaz de tudo para ajudar um amigo em apuros, do que um bêbado da mui Nobre e Imbicta Cidade. Pode crer!!
Adorei esse "obrigado, Porto", sussurrado pelo Baixinho.
Beijinhos.
Janita
PS A imagem é lindíssima, parabéns!
:) Muito bom... Adoro os teus textos, divirti-me imenso. :)Beijinho
ResponderEliminarGosto sempre das suas histórias, no entanto, esta comoveu-me de tal maneira (eu que sou de ferro como a Angela Merkel) que gostava imenso de o publicar no "ematejoca azul" e com mais tempo traduzi-la para a língua de Goethe.
ResponderEliminarEspero a sua resposta!!!
Ematejoca, grato pelo comentário. Autorizo sim a sua publicação. Fique à vontade.
ResponderEliminarO Porto que apesar de ser de Almada tinha um coração tão grande como os portuenses que conheço.
ResponderEliminarDo tinto faziam festa
Ele e sua mulher
Eram quatro as pernas lestas
que bebiam até poder.
Adorei...as suas histórias arrancam-me sempre um grande sorriso.
Manu
É verdade, as suas histórias sempre saem do lugar-comum, e garantem-nos fartos sorrisos.
ResponderEliminarObrigada pelos parabéns ao meu pai!
;)
Hehehehehe!...
ResponderEliminarLembrei-me de quando eu e o marido saíamos para pescar...Mas na nossa pescaria só bebíamos coisas sem alcool, viu? É só pra esclarecer...rsrsrs
Amigo, parabéns pelos 31 anos de casados!
Que Deus os abençoe!
Daqui há pouco você me alcança!
:)))
Grande e fraterno abraço,
Cid@
Um belo conto (mais um...) em que sobressai a maneira boa e generosa de se estar na vida!
ResponderEliminarCriatividade é contigo han!
ResponderEliminarKiss*
Ele não acordou no Hospital de Almada, foi no de Lisboa. ;)
ResponderEliminarO Porto , o genuíno, não apanha bebedeiras, apanha "pielas" :-)
ResponderEliminarMais uma bela e criativa história que me deixou a sorrir. É sempre um prazer passar por aqui...
Uma história bem narrada que me prendeu do principio ao fim...e senti que há que saborear e partilhar essa sabedoria, cada um há sua maneira e respeitando sempre... do lado bom da vida.
ResponderEliminarA foto está lindissima!
Desculpa o atraso na leitura:)
Beijos
Gosto muito de ler-te!
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