Naquele dia, Jorge
não acordou muito católico... a festa da véspera caíra-lhe na fraqueza pois que,
por mor de um trabalho urgente e demasiado exigente, passara o dia inteiro
apenas com uma hamburguesa de tofu no estômago. Saíra do escritório diretamente
para casa do Pedro, onde os quatro da vida airada, companheiros de muitas
peripécias e aventuras enquanto estudantes, o Pedro, o Aires, o Timóteo e ele
iriam comemorar qualquer coisa que a sua cabeça, hoje demasiado confusa, não se
conseguia lembrar. Bebeu álcoois das mais diversas origens e proveniências,
destilados misturados com fermentados, umas tapas de requeijão e outras com trufas
francesas em molho de gengibre e nozes, jogou uma partida de bridge até que
Madalena, a namorada de Pedro, chegara com umas amigas, oh-lá-lá de aspeto e ousadia, e mais não se poderá contar desta
noite de todos os pecados, terá de ser o próprio leitor a imaginar, se é que
não está já a congeminar luxuriosos desfechos. Jorge apenas jurava que não
podia ser por causa de uma noite mal passada, ou bem, conforme a perspetiva,
pois dessas, iguais ou semelhantes na forma e nos conteúdos, tinha ele conta
que chegasse, ultrapassando em muito as tabelas da tabuada convencional. O que
o martirizava era que na cabeça dele lhe não ocorria às quantas andava, que é
como quem diz, não sabia nem de data nem de hora, pois que se vivesse no campo,
em vez de num arranha-céus nas Laranjeiras, isso lhe não escaparia. O galo da
tia Anastácia se encarregaria de o avisar. Que raio de coisa haveria agora de
lhe ter vindo á ideia... o galo da tia Anastácia há muito tinha sido consumido
numa cabidela deliciosa. E quanto mais no seu cérebro se discorria em desfile,
numa confusão de sambódromo, pratos, ementas e petiscos, maiores eram as voltas
que se lhe dava no estômago como se fossem de bêbado as suas sensações. Abriu a
janela para tomar ar e a luz radiosa de um dia azul, embora fresco de Março,
feriu-lhe de imediato o olhar. Lá fora, onde a jornada ia a meio, um misto de
odores a gasóleos queimados do intenso tráfego que povoa o eixo norte-sul e o
cheiro enjoativo a jasmim que desponta em canteiros e beirais, preparava-se
para ser o detonador. Sem mais delongas, correu desesperado para a casa de banho, colocou a cabeça quase
dentro da sanita e, num impulso convulsivo, expeliu de dentro dele, do mais
profundo das suas entranhas, um ramo de malmequeres viçosos, de um branco
natureza puro, pontuado no centro a amarelo-gema, como se cada cálice de
malmequer fosse uma chávena de leite com vapores de neblina. Todos os anos isto
lhe acontecia e o sonho, nesta noite de transição, embora de caraterísticas
muito variadas, era recorrente. A primavera despertava sempre de dentro dele
onde apenas o bouquet floral variava, mas este ano viera um dia mais cedo por
ser um ano bissexto. E lembrou-se, escondido num sorriso dissimulado pelos
olhos entreabertos e feridos de primavera, de que no passado regurgitara um ramo
de rosmaninho.
Olá, Vitor/Constantino!!
ResponderEliminarSerá que o Jorge, para além de nos querer avisar da chegada da Primavera, está a enviar uma mensagem para aqueles que como eu se ausentaram do "livro das caras" e não têm quem os avise dos aniversários, mormente, dos amigos fujões?
Não tenho bem a certeza, mas acho que tu aniversarias lá mais para os dias quentes...quem será então?
O ramo de malmequeres, regurgitado, é do mais lindo que já vi...Abençoado!
Um beijinho meu Amigo, já sentia muitas saudades! :)
Olá Janita :) É apenas um prenúncio de primavera. Eu lá continuo no livro de caritas, faço daquilo a minha casa da fotografia e da escrita, para além de algumas outras banalidades. Pois é verdade o meu aniversário é em Agosto, quando o calor aperta. Beijinho, gostei de te "ver".
EliminarGosto sempre de ler estas tuas histórias... sempre muito imaginativas! :)
ResponderEliminarBeijocas
Obrigado Teté. Eu tenho andado um bocado fugidio. O FB também me "roubou" um pouco este espaço.
Eliminarveio mais cedo mas este ano haverá, igualmente, um aroma a rosmaninho...
ResponderEliminarna certa...
Chegou ontem num dia muito bonito por estas bandas. Hoje trouxe poesia e granizo :)
Eliminar