domingo, 26 de janeiro de 2014

213. Todos os dias chove em algum lugar



Pensativa, olhou pela janela. Um pai, paciente, ensinava o filho a andar de bicicleta. Ainda com as rodas de apoio, a bicicleta parecia querer tombar mas não tombava. O pai vigiava-lhe as primeiras pedaladas. Um cão de pequeno porte saltava de um lado para o outro à frente do velocípede e ladrava alegremente. Cristina sorriu. Lembrou-se de outros tempos quando Ricardo era pequeno e Fred ainda não tinha abandonado o lar. As primeiras gotas começaram a cair e um vento desagradável começou a levantar-se. O pai recolheu a bicicleta e a cria, levando cada um por uma mão. O cão saltitava agora em frente aos dois e os pensamentos saltitavam na mente de Cristina. O vento ajudou a varrê-los. Ricardo há muito tempo que não telefonava e de Fred não fazia a mínima ideia se ainda existia. Foram poucos anos juntos, anos bons e anos maus, ou melhor dizendo, para ser mais preciso, anos com dias bons e com dias maus. Tudo acabou num fim de tarde quando as primeiras gotas começavam a cair. Fred entrou em casa com Ricardo por uma mão e a bicicleta na outra. Olhou para Cristina e não disse nada. Era inevitável. Saiu e foi com o vento. Sempre houve e sempre haverá até aos fins dos tempos, pais que ensinam os filhos a andar de bicicleta. E sempre haverá chuva e sempre haverá vento. 

7 comentários:

  1. Já ia embora mas, ao ver-te, resolvi ficar, Constantino!
    Saudades, tantas! Foi com textos parecidos com este que te conheci.
    Textos curtos, directos, incisivos, que nos dão conta das realidades do quotidiano ou de ficções que bem poderiam ser realidade.
    Haverá sempre chuva e vento em algum lugar, solidão, pais que ensinam os filhos a andar de bicicleta e maridos que vão comprar cigarros e nunca mais voltam...
    Bem-Vindo, Constantino guardador de sonhos. Escritor que conhece a vida e a sabe colocar em belos escritos nos quais tanta gente se revê.

    Beijos.

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    1. Vou tentar ser mais assíduo. Tenho andado envolvido em vários projetos literários entre os outros mil afazeres que invento, que às vezes me esqueço que tenho um blog e que gosto desta interação cibernética.
      Beijocas

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  2. Faz tempo que não venho aqui, mas fiz mal. Como sempre, o gosto de te ler...
    abraço

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  3. Ao ler o seu texto, lembrei-me do livro 'Chocolate' e das três fantásticas personagens, Vianne, Anouk e Roux. Também Vianne e Roux partiam com o vento. Pobre vento! Mero pretexto para a fuga dos laços ... ou para fugir da inexistência deles?! Acredito que quando 'se parte com o vento' é porque os laços não existiam ...

    Excelente texto. : )

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  4. Bom dia,
    Vi que participa no livro "O Diabo dos Políticos", e não me ficou explícito na sua biografia se tinha ligações ao Alentejo.
    Pode-me responder aqui ou em: olindg@gmail.com

    Obrigada

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