Era uma
crise do caraças lá em casa. Não havia coisa que ele fizesse em que ela se não
metesse. Não era por mal, ele bem o sabia, mas aquele vício desgraçado de meter
o nariz em tudo deixava-o à beira de um ataque de nervos. Se ele estava na
cozinha, ela chegava e aumentava ou diminuía o fogo. Se ele fazia o refogado,
ela comentava a cor do estrugido. Se ele fritava um bife, ela falava-lhe do
ponto. À mesa observava a quantidade de salada que ele comia ou não comia, se
tinha deixado a cebola no prato ou não, se ele deixava ou não deixava a carne
agarrada ao osso das costeletas. À hora da sobremesa se ele se levantava para
ir buscar cerejas ela contrapunha que também havia melão. Nos dias em que ele
vestia uma camisa aos quadrados comentava que se calhar uma às riscas ficava
melhor e perguntava-lhe muitas vezes porque é que não levava os sapatos castanhos
em vez dos pretos. Quando o apanhava a ler perguntava-lhe se não era melhor
acender a luz da mesinha de sala em vez do lustre e na casa de banho
comentava-lhe o vício de dobrar o papel higiénico antes de o usar ou porque é
que ele não apertava a bisnaga do creme dentífrico de baixo para cima. No dia
em que lhe observou que ele ainda não tinha posto champô na cabeça e já se
estava a enxaguar foi o entornar do copo. Ele deu-lhe dois berros que fizeram
estremecer o apartamento e a torneira da água começou a soluçar. Debaixo de uma
lágrima furtiva ela jurou que nunca mais se meteria nos assuntos dele.
Encontrou-o
morto em cima da cama. Avisou-o apenas ao fim de três dias com medo de ser
acusada de andar sempre a meter o bedelho onde não devia.