Só se aceitam cheques visados. Este anúncio encontrou-o numa gasolineira, algures entre a Guarda e Vilar Formoso. O pior foi que ele só reparou no aviso já quase com o depósito cheio. Iria ser o que Deus quisesse, pois cheque visado é que ele não trazia consigo. E àquela hora da noite nenhum banco lho iria visar, de certeza absoluta.
A viagem até não lhe estava a correr muito mal, maugrado ter começado apenas três dias após a data planeada devido a uma arreliadora avaria no motor, que lhe estoirou a junta da colaça e de cuja reparação ficou dependente para iniciar as férias. Também é certo que as duas noites perdidas que, obviamente, tinham sido antecipadamente reservadas, tiveram de ser canceladas à última da hora e, se bem que numa delas os proprietários da residência prescindiram do pagamento, na outra, a noite não dormida teve de ser paga integralmente. Mas não era coisa que o abatesse. De resto, nada de ruim a acrescentar, a não ser talvez o imprevisto de se ter esquecido da máquina fotográfica num banco de jardim em Coimbra e de, quando voltou para trás, já não a ter encontrado. Por coisa tão pouca, não se poderia dizer que as férias estivessem a ser muito atribuladas. Bem, terei de acrescentar que ele me referiu que enfrentou, na viagem de Seia para as Penhas da Saúde, o maior nevoeiro que já alguma vez tivesse visto em toda a sua vida e que o percurso, que tinha estimado em cerca de uma hora, acabou por demorar três. Mas disso ele não se lamentou. Apenas se mostrou mais constrangido com o facto de que, quando chegou à Covilhã, já ter sido tarde de mais e a dona da pensão onde, por recurso, marcou quarto, sem ter sido avisada, porque naquele tempo não havia telemóveis, ter cuidado de que ele já não viria e o ter alugado a outra pessoa. Mas ele só se queixou do frio. Estou a lembrar-me de que logo de manhã, quando quis partir, contou-me que tinha um pneu em baixo e que, com as mãos geladas por ter pernoitado no carro, se viu aflito para mudar a roda. Passou a manhã na Serra, onde talvez por não se ter informado, ficou admirado de esta não ter ponta de neve, desceu de novo à Covilhã onde almoçou e depois percorreu algumas aldeias bonitas a caminho da Guarda, foi a Belmonte e ao Sabugal, visitou Sortelha e andou por terras do Côa. A noite caiu cedo e seguiu em direção a Vilar Formoso. Tudo na maior paz.
Só aceitam cheques visados? Perguntou ele. A balconista confirmou. Minha senhora, estou muito atrapalhado, referiu, acabei de encher o depósito de gasolina e não tenho nenhum cheque visado. Quem ficou atrapalhada foi a balconista. Que não podia ser de maneira nenhuma. Sujeitava-se mesmo a ser despedida se aceitasse um pagamento com um cheque não visado. Ele, um homem expedito, que nunca se queixava, nem se atrapalhava com as adversidades atreveu-se a fazer-lhe uma sugestão. Minha senhora e se eu lhe pagasse em dinheiro, a senhora aceitaria? Ela aceitou.
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